QUALIDADE: O INÍCIO DA JORNADA

Iniciei minha trajetória profissional em agosto de 1985, na empresa ASEA Elétrica Ltda, logo após ter-me formado engenheiro eletricista na FEI – Faculdade de Engenharia Industrial.

Fui selecionado para trabalhar na área de administração de contratos, como engenheiro trainee e, um ano depois, passei a engenheiro júnior.

Permaneci na empresa até agosto de 1987, ocasião em que, a convite de um antigo mentor, ingressei no grupo INBRAC S/A – Indústria Brasileira de Condutores, com sede em São Paulo, capital, que era um grande fabricante nacional de fios e cabos elétricos, para fazer parte de um projeto de expansão.

A intenção era erguer “do zero” uma fábrica de transformadores de baixa e média potência, estrategicamente localizada em Vitória, ES, ao lado da fábrica de fios de cobre esmaltado que pertencia ao grupo, a INBRAC VITORIA S/A, dando aos transformadores uma grande vantagem competitiva em termos de custos.

Fiquei atraído pelo projeto porque meu desejo era, realmente, uma oportunidade na área técnica.

Quando os projetos dos produtos estavam prontos, a lista de máquinas e equipamentos definida e financiamento concedido, infelizmente, meu mentor faleceu. A direção do grupo decidiu descontinuar o projeto de construção da fábrica de transformadores.

Entretanto, fui convidado a permanecer no grupo, mas na área de vendas (novamente) da INBRAC S/A CONDUTORES ELÉTRICOS.

Aceitei, mas não era minha intenção permanecer na área comercial. Havia trabalhado anteriormente nessa área e decidi deixa-la justamente para embarcar num projeto técnico, isto é, construir transformadores elétricos.

Depois de mais de quatro anos trabalhando na área comercial da INBRAC S/A CONDUTORES ELÉTRICOS, decidi que era hora de partir para meu principal interesse profissional, ou seja, trabalhar em uma área técnica.

Antes de apresentar meu pedido de demissão, em meados de 1993, fui surpreendido com uma proposta para assumir o cargo de Gerente da Qualidade na INBRAC VITÓRIA S/A.

Quando entrei no grupo teria que residir em Vitória-ES, já que a fábrica de transformadores seria construída naquela cidade. A proposta colocava-me na área técnica como era meu desejo.

Antes de aceitar a proposta procurei saber, com mais detalhes, qual seria o escopo do trabalho. A INBRAC VITÓRIA S/A precisava adequar seu sistema da qualidade, com a maior brevidade possível, para permanecer fornecendo seus produtos aos seus mercados principais: fabricação de compressores para refrigeração, indústria automotiva, de eletrodomésticos e fabricantes de máquinas elétricas em geral. Fui informado também que a vaga era para início imediato.

Como a proposta coincidia com meu interesse pessoal e seria um grande desafio para mim, aceitei.

Precisei compreender a fundo e rapidamente os processos de fabricação de fios de cobre esmaltado e de cordoalhas de cobre, que eram os dois produtos ali produzidos.

A fabricação de fios de cobre esmaltado tem dois processos principais: primeiro, a trefilação do fio de cobre, que consiste no alongamento do vergalhão (geralmente com 8mm de diâmetro) até o diâmetro ótimo do fio (d) que se deseja produzir. A seguir vem o processo de esmaltação, que recobre com verniz (material isolante elétrico) de espessura (e), toda a superfície do fio até seu diâmetro final especificado (d’). 

A figura a seguir ilustra o processo de esmaltação de fios de cobre:

FABRICAÇÃO DE FIO DE COBRE ESMALTADO

 

Os fios de cobre esmaltado eram o produto principal da empresa e se produziam trezentas (300) toneladas, nos mais variados diâmetros, por mês.

Mas, a questão mais importante, para mim, era conhecer como funcionava a área da qualidade na empresa.

A fábrica trabalhava 24 horas, 7 dias por semana. O processo de esmaltação utiliza fornos para realizar a secagem, ou cura, do esmalte aplicado sobre os fios de cobre e não se podia desliga-los à tarde e/ou nos finais de semana. Havia um processo bem definido para desligar os fornos e assim não romper os materiais isolantes térmicos que revestem seu interior, por contração repentina no caso do desligamento abrupto do aquecimento. Para iniciar um forno também havia um processo bem definido, com aumento gradativo da temperatura. Por essas razões a fabrica parava somente uma vez por ano, em dezembro, para manutenção geral e limpeza de máquinas e fornos.

O cenário que pude estabelecer à época, em relação à qualidade, não era bom. Para começar havia um grande volume de devolução de fios esmaltados, que tornava bastante difícil atender a demanda por assistência técnica vinda de todo o Brasil. Na maioria dos casos não sabíamos nada além dos relatórios de devolução, que alguns dos clientes se prontificavam anexar ao produto. A atuação da assistência técnica, de fato, estava limitada aos grandes clientes.

Na fábrica, o trabalho básico do time da qualidade era o de inspecionar o fio trefilado e o esmaltado, realizando vários testes mecânicos, como tração e alongamento e elétricos, como resistência ôhmica e condutividade. Cada lote tinha seu relatório de inspeção, com os resultados dos testes feitos em cada fase da produção, entretanto, havia um volume grande de fios sucatado, que eram os descartes feitos devido as não conformidades encontradas nessas inspeções.

Era o início de 1994. A pressão pela melhoria na situação da qualidade dos produtos aumentava. Agora os maiores e principais clientes passaram a exigir um sistema da qualidade, seguindo o modelo de uma norma internacional chamada ISO 9000 e certificado por uma entidade certificadora acreditada!

O ano de 1994 foi muito desafiador.

A situação em que se encontrava a qualidade dos produtos da INBRAC VITORIA S/A era séria sob dois pontos de vista:

1 – A empresa corria o risco de ser cortada de grandes clientes, pois estava ranqueada em quarto lugar, segundo seus critérios de avaliação. Havia no mercado outros três grandes fabricantes de fios esmaltados que poderiam suprir a demanda deixada pela Inbrac, caso fosse excluída do elenco de fornecedores, com pouco investimento.

 2 – Estávamos começando a entender como viver com uma inflação muito baixa. Desde 1º de março de 1994, os preços dos produtos no Brasil faziam referência à URV – Unidade Real de Valor. Em termos simples a URV era uma moeda “virtual”. Um produto que valia, por exemplo, duas URV’s em 1º de março, valia as mesmas duas URV’s em 1º de abril, 1º de maio etc. Enquanto isso, uma URV valia, por exemplo, Cr$ 1.000,00 (Cruzeiros) em 1º de março, Cr$ 1.500,00 em 1º de abril, Cr$ 2.000,00 em abril etc. Em 1º de julho de 1994, uma URV, que valia CR$ 2.750,00, passou a valer um Real (R$ 1,00) e sua paridade com o dólar americano era de um para um, ou seja, R$ 1,00 = US$ 1,00. Com o conhecido Plano Real em prática, os vícios do mercado financeiro do passado não mais se aplicavam a uma moeda estável. Diante dessa nova realidade, o mecanismo de precificação dos produtos sofreu uma grande reviravolta e, muito rapidamente, ficou claro que não mais era possível manter altos estoques de matérias primas como cobre e esmaltes e, muito menos, grandes volumes de produtos sucatados ou devolvidos pelos clientes.

A partir disso, passamos a avaliar cada evento de não conformidade, interna e externa. Passamos a responder aos clientes com planos de ação, acompanhados de indicadores que continham a situação atual e nossa meta.

A ferramenta da qualidade que utilizávamos habitualmente era o MASP – Método de Analise e Solução de Problemas. Elegemos quatro “M’s” como ponto de partida para os planos de ação: Máquina, Mão de Obra, Métodos e Meios de Medição. Com o tempo e a estabilização dos processos, introduzimos os outros “M’s”: Matéria Prima e Meio Ambiente.

Criamos um indicador de não conformidade baseado no peso de produto não conforme em relação à produção do período. Saímos de mais de quarenta mil (40.000) partes por milhão (ppm) para menos de cento e cinquenta partes por milhão (150) em dois anos. Além disso, a capacidade de produção se elevou de 300 toneladas de fio de esmaltado, por ano, para 500 toneladas, no mesmo período, apenas com investimentos na sistematização dos processos de produção e da manutenção preventiva dos equipamentos, que reduziram o desperdício, a rejeição de produtos na linha e as devoluções pelos clientes.

A ameaça de sermos excluídos de nossos maiores clientes foi abrandada com a evolução dos indicadores da qualidade dos fios esmaltados que a empresa estava produzindo.

No início de 1995 a fábrica tinha procedimentos operacionais implantados em todas as áreas: produção, manutenção e nos laboratórios mecânico e elétrico, bem como o químico, ambos sob minha responsabilidade.

Mesmo assim, ainda não havia um sistema da qualidade pronto para enfrentar uma certificação e isso passou a ser nossa nova maior ameaça.

Rapidamente selecionamos o modelo para sistema da qualidade ISO 9002 que, à época, estava na versão 1994. Esse era o modelo adequado, pois, para fios esmaltados, não havia necessidade de uma área de projeto.

O ambiente fabril estava bem coberto por procedimentos, o pessoal estava treinado e os índices da qualidade do produto haviam melhorado muito, porém, tivemos que escrever os procedimentos e treinar o pessoal da área comercial, em São Paulo, capital, que não havíamos ainda integrado ao sistema.

Em meados de 1995 estávamos prontos para o próximo passo: a certificação do sistema da qualidade por um organismo certificador de terceira parte.

Elegemos a Fundação Vanzolini para realizar a auditoria e, após quatro dias de intensas verificações em São Paulo, capital, na área comercial, e em Vitória-ES, na planta industrial, finalmente conseguimos a tão desejada e necessária certificação de nosso sistema da qualidade, baseado no modelo ISO 9002:1994.

Esse passo nos tornou competitivos novamente: agora tínhamos bons índices de qualidade em nossos produtos e um sistema da qualidade certificado.

Durante o restante do ano de 1995, permaneci em Vitória, trabalhando para aprimorar o sistema da qualidade.

No início de 1996 a direção do grupo INBRAC S/A decidiu centralizar a gestão da qualidade na sede da empresa e me convidou para assumir a posição. O desafio era o de atualizar e unificar o sistema da qualidade de cada unidade do grupo. À época tratavam-se de cinco plantas industriais, sendo duas em no estado de São Paulo, uma em Contagem, Minas Gerais; uma em Maracanaú, município distante 40 quilômetros de Fortaleza, no estado do Ceara; além, é claro, da planta em Vitória-ES, e a inclusão dois centros de distribuição, um no município de Diadema, situado na grande São Paulo e outro em Porto Alegre – RS.

É importante ressaltar que as unidades industriais atendiam diferentes mercados com diferentes produtos. A unidade situada em Santa Branca – SP era a maior fábrica do grupo e produzia cabos para transmissão e distribuição de energia elétrica, cabos para instalação elétrica predial além de cabos para a indústria automobilística. A unidade situada no bairro da Vila Maria, em São Paulo, capital, produzia terminais e conectores para várias aplicações. A unidade em Contagem-MG tinha sua produção de chicotes elétricos (chicote é o termo utilizado para se referir ao conjunto de cabos inseridos em um veiculo) dedicada à FIAT. A unidade em Maracanau-CE, produzia cabos para instalação elétrica predial, e, a unidade em Vitoria-ES produzia fios de cobre esmaltado.

Em uma visão geral, o sistema da qualidade unificado precisava atender as normas ISO 9001, ISO 9002 e QS 9000, além de requisitos específicos de certos clientes. A unidade em Santa Branca-SP e a de Maracanaú-CE estavam sujeitas, adicionalmente, a certificação compulsória, pelo INMETRO, para comercializar os cabos para instalação elétrica predial.

Em princípio continuei morando em Vitoria-ES, mas as viagens foram se tornando constantes, especialmente para Santa Branca-SP, que, por ser a maior unidade e a que produzia os cabos mais complexos, demandava uma presença mais constante. No segundo semestre de 1996 passei a viver em um hotel, na cidade de Jacarei-SP, durante a semana e voltava a Vitória nos finais de semana. Estar em Jacarei-SP permitia uma presença constante na unidade em Santa Branca-SP, que estava a poucos quilômetros do hotel e, ainda, a aproximadamente 80 quilômetros de São Paulo, capital, que me permitia estar na unidade em Vila Maria-SP e no centro de distribuição em Diadema-SP, onde a diretoria estava localizada, em pouco mais de uma hora.

Antes de prosseguir com o desafio técnico, no final de 1996, a diretoria e eu concordamos que seria melhor retornar a São Paulo. No inicio de 1997, passei a residir em São José dos Campos-SP, que também é próxima ao município de Santa Branca e a pouco mais de uma hora de São Paulo, capital.

O desafio de unificar o sistema da qualidade, em várias unidades industriais, com diferentes produtos, para diferentes mercados foi enorme, mas ao final de 1999 havíamos conseguido a unificação e a recuperação das certificações perdidas. Um passo importante nessa jornada foi a implementação de uma metodologia para o cálculo dos custos da qualidade e outra para a pesquisa de satisfação dos clientes. Permaneci no grupo até abril do ano 2000, quando decidi que era hora de buscar novos desafios.

Em julho do mesmo ano ingressei na EMBRAER S/A, mas essa é outra história!