A INFLUÊNCIA HUMANA E A DA INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL COMO CAUSA DE VARIAÇÃO NO RESULTADO DE UM PROCESSO

Por:
Fernando Arthur Cavazzoni Junior
Engenheiro e mentor para assuntos ligados a Qualidade

Sabemos que qualquer produto ou serviço é resultado de algum tipo de processo. 

Sabemos também que todo processo esta sujeito a variações.  Variações são inerentes a todo tipo de processo e o produto ou serviço resultante é único, pois não podem ter quaisquer de suas características exatamente iguais.

Walter Shewhart dividiu os processos em dois tipos: (1) – os processos estáveis, onde variações inerentes e inevitáveis nas características do resultado ocorram de forma aleatória e sigam um padrão normal de distribuição, e, (2) – os processos instáveis onde a variação das características dos resultados não segue um padrão normal de distribuição devido a uma ou mais causas identificáveis.

Kaouru Ishikawa desmembrou em fontes as quais se pudesse atribuir as variações dos resultados de um processo. Tais fontes foram dispostas em blocos, por afinidade, para representar os meios para executar um processo, de tal forma que se assemelham a uma espinha de peixe. Esse diagrama também é conhecido por “diagrama de causa e efeito”.

Nomeadamente, tais fontes são conhecidas, atualmente, como “8 Ms”: “Mão de obra”, “Máquina”, “Matéria Prima”, “Método”, “Meio Ambiente”, “Meios de Medição”, “Money” e “Managment”, daqui em diante referidos como “meios”. 

Quando as variações que ocorrem nos meios são inerentes, invitáveis e aleatórias, então os resultados do processo estão sujeitos às chamadas “causas comuns” e apresentam um padrão normal de distribuição, sendo, portanto, previsível. Caso contrário, se houver uma variação não aleatória em um ou mais dos meios, então o resultado do processo se torna imprevisível, pois está sob influencia de “causas especiais”, porém, detectáveis

O diagrama de “causa e efeito”, ou “espinha de peixe” foi elaborado para facilitar a identificação das “causas especiais” de variação nos resultados de um processo.

As figuras a seguir representam a ideia de um processo: (1) – influência de “causas comuns”, portanto com resultado previsível e outro (2) – influência de “causas especiais” de variação, com resultado imprevisível, conforme o modelo de “causa e efeito” ou “espinha de peixe”:

O modelo proposto por Kaouru Ishikawa para representar um processo, segundo uma visão separada de cada fator que interfere com o resultado do processo, é muito útil para criar um modelo mental para a solução de problemas quando o resultado não é o esperado. 

Entretanto, as variações no resultado de um processo tem origem numa interferência complexa destes fatores e, de forma alguma, linear. Acontece que tudo ocorre simultaneamente ao longo da execução do processo.

A expressão a seguir tem a intenção de apresentar a forma complexa de interação entre os fatores que influenciam a variação das características do resultado de um processo: 

“A Mão de Obra, gerenciada por ‘Management’ e inserida em determinado Meio Ambiente, processa Matéria Prima através de Máquinas, custeada por ‘Money’, em conformidade com Métodos definidos e utiliza certos Meios de Medição para atestar a normalidade do Resultado”.

A expressão coloca intencionalmente o fator “Mão de Obra” no centro das interações porque é razoável admitir que as “Pessoas” são a razão da existência dos processos e seus resultados. 

É razoável admitir também que as “Pessoas” são a “inteligênciadas interações, pois comandam as Máquinas, por exemplo, operando-as ou inserindo comandos, seguem e/ou escrevem procedimentos (“Método”), interpretam dados e os transformam em informação e conhecimento (“Meios de Medição”) para a tomada de decisões (“Management”) que criam ou alteram as condições de trabalho (“Meio Ambiente”); compram matérias primas e vendem o Resultado do processo a fim de obter lucro (“Money”) e fazer investimentos que, novamente, alteram as condições ou criam novas condições para as Pessoas no ambiente de trabalho

A figura (3), a seguir ilustra a ideia acima:

A partir desse raciocínio é possível supor que a imponderabilidade do ser humano faz parte da normalidade do resultado do processo, ou seja, as “causas comuns” de variação abarcam a condição humana. 

As pessoas têm sua personalidade, seu temperamento, sua experiência de vida, entre tantas outras características que não seria possível aqui elencá-las todas, porém esse conjugado de fatores pessoais, que é único para cada ser humano, está presente no processo e interage com os outros meios de produção.

Paradoxalmente, é possível supor também que essas mesmas pessoas sejam motivo de “causas especiais” de variação, pois, da mesma forma, cada ser humano é único e age conforme suas disposições de momento. Assim, eventualmente, uma pessoa pode, por exemplo, deixar de executar uma determinada etapa de um procedimento porque está com pressa de ir para casa, porque está com dor de cabeça ou ainda, deliberadamente para prejudicar alguém ou a empresa para a qual trabalha.  

Enfim, há uma miríade de situações envolvendo “Pessoas” que poderiam caracterizar uma “causa especial” de variação num processo, produzindo resultados distintos do esperado. Entretanto, sendo as “Pessoas” como são, ainda assim agem como uma das “causas comuns” de variação que geram resultados com um padrão normal de distribuição.

Nos dias atuais vimos que a influencia humana nos processo vem sendo gradativamente substituída por uma “Inteligência Artificial – (IA)”. O uso de “IA” vem sendo aplicado ostensivamente em serviços como atendimento ao cliente, aplicação financeira e nas redes sociais. No âmbito da indústria a “IA” se manifesta claramente

na robótica, isto é, máquinas equipadas com “IA” utilizadas para tarefas repetitivas, ou em ambiente insalubre, entre outras. O uso de “IA” também pode ser encontrado no desempenho de atividades delicadas como cirurgias, por exemplo.

Esta tecnologia teve sua definição conceitual nos anos 1950, na Universidade de Carnegie Mellon. Os cientistas Herbert Simon e Allen Newell foram os pais dessa ciência, criando, nessa universidade, o primeiro laboratório dedicado à inteligência artificial no âmbito acadêmico.

Este ente, “IA”, esta sendo aperfeiçoado rapidamente e já é capaz de lidar com uma enorme quantidade de dados, interpretá-los e até tomar certas decisões, por exemplo, corrigir a velocidade de rotação de um torno quando o sistema de controle detecta a tendência de que uma característica do produto saia do limite de sua especificação antes que realmente aconteça. 

O conceito de interferência programada não é novo e foi utilizado pela primeira vez no Japão e é conhecido como “JIDOKA”. 

De acordo com https://www.leanti.com.br/conceitos/13/O-que-e-Jidoka.aspx, “Jidoka significa autonomação (automação com um toque humano) e é um dos pilares do Sistema Toyota de Produção. O conceito surgiu com uma máquina de tear auto-ativada inventada por Toyoda Sakichi pouco depois de 1890. Um dispositivo foi inserido na máquina de forma a distinguir condições normais e anormais, consequentemente produtos defeituosos não eram produzidos”. 

Entretanto, segundo a mesma fonte, há um efeito colateral: “Com isso, não era mais necessário possuir um operador vigiando a máquina enquanto ela estava funcionando, apenas sua intervenção caso ela parasse. Dessa forma, um único operador poderia cuidar de várias máquinas e a fábrica operaria com um número reduzido de pessoas, aumentando a eficiência da produção”.

À medida que evolui, a “IA” vai determinar a quantidade de “Pessoas” no ambiente de execução do processo e, eventualmente, até aquelas “Pessoas” ainda necessárias, que poderiam interagir de qualquer lugar em que estivessem com a possibilidade do trabalho remoto.

A “IA” não está sujeita nem ao humor, nem ao temperamento, nem associada a uma condição natural e intrínseca da mente humana, então, com uma presença crescente nos meios de produção e de serviços, quais efeitos trará para o resultado dos processos?

A questão posta agora é: Inteligência Artificial (“IA”) poderia eliminar “causas especiais” de variação nas características do resultado de um processo, seja um produto ou serviço, atribuídas a “Pessoas”, uma vez que não estão sujeitas a “humanidades” como temperamento, afeto, etc?

A figura (4) a seguir ilustra uma possibilidade de interação complexa entre “Pessoas” e uma “IA” que controla certos meios de produção:

Note que, na figura (3), há um símbolo que representa o centro do que seria o “Meio Ambiente” e, como dito anteriormente, está posicionado em função da centralidade das “Pessoas” em relação aos demais meios de execução do processo.

A figura (4) não contém o símbolo de centralidade, pois, conforme Dora Kaufman, em seu artigo publicado em:

https://epocanegocios.globo.com/colunas/IAgora/noticia/2021/05/inteligencia-artificial-nao-e-inteligente-nem-artificial.html, em 14 de maio de 2021: 

Não existe uma definição universal de “inteligência”. Genericamente, o termo designa a capacidade de um agente atingir objetivos determinados em uma ampla gama de domínios e, em geral, é associado à espécie humana. Definições específicas contemplam atributos intangíveis, como a capacidade de fazer analogia e entender o significado, além de consciência, intencionalidade, livre arbítrio, ética, moral. Por esses parâmetros, no estágio de desenvolvimento atual, a inteligência artificial (IA) não é inteligente”.

Deste modo, considerando-se que o uso de “IA” nos processos de produção de bens ou na execução de serviços, ainda, nos dias de hoje, está inserida de modo a diminuir as variações inerentes e inevitáveis nas características do resultado de um processo, certamente contribui para que as “causas comuns” ocorram de forma aleatória e sigam um padrão normal de distribuição com uma dispersão muito menor.

É certo, também, que “causas especiais” relacionadas a “Pessoas” tenham uma tendência de queda no numero de ocorrências quando diante de processos repetitivos, ou inseguros, ou outros, que podem ser controlados por algoritmos decisórios que emulam o pensamento humano.

Entretanto, pode-se concluir, também, que “Inteligência Artificial” ainda tem um longo caminho percorrer se a humanidade pretende que, com ela, seja possível: “[…] a capacidade de fazer analogia e entender o significado, além de consciência, intencionalidade, livre arbítrio, ética, moral […]”, mas, desta forma o que aconteceria com os resultados dos processos?

Nesse contexto, não se estaria ampliando a dispersão pelas “causas comuns” e abrindo espaço para as “causas especiais” determinadas pela condição humana?

Por certo outra inteligência deverá ocupar espaço, seja devido à condição humana, seja devido ao emprego de “IA”: a “inteligência emocional”!